Entrevista: Um Trio de Boas Impressões

14-03-2011

Foram um dos grandes vencedores do Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” em 2009 (Categoria A: reservada a uma média de idades inferior a 20 anos), a primeira edição de uma competição que é já hoje considerada uma das mais importantes do seu género no país. Uma conquista que permitiu ao Trio Impressões todo um mundo novo de oportunidades no universo da música de câmara em Portugal e a passagem por alguns dos espaços e eventos mais relevantes do nosso meio artístico como o Centro Cultural de Belém, a Casa da Música no Porto ou o Cistermúsica. Vera Santos, Rui Ramos e Bernardo Pinhal: são estes os jovens de um trio pouco usual no campo da música de câmara (flauta, clarinete e piano) que ao fim de quase dois anos nos falam sobre a influência que a vitória no concurso teve no percurso da formação e na sua carreira como instrumentistas. E ainda deixam conselhos.

Em 2009 venceram a primeira edição do Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA): qual foi a sensação dessa conquista?
Vera Santos:
Eu falo do meu caso e como sou de Alcobaça, foi bastante motivante ver o apoio das pessoas daqui da zona, da família e dos amigos. Sendo um primeiro concurso de música de câmara na minha terra, Alcobaça, foi bastante importante. Como Trio Impressões, foi uma conquista bastante significativa também porque tínhamo-nos formado há poucos meses, em Agosto de 2008, e termos logo conseguido um prémio destes, passado pouco tempo de trabalho, foi bastante positivo.
Rui Ramos:
Impulsionou o nosso grupo e o nosso trabalho, começámos a trabalhar com outro ânimo para os concertos que se seguiram, o que foi muito importante.

Um dos objectivos do CIMCA é divulgar jovens músicos e em especial a música de câmara: de que modo é que vencer esta competição vos ajudou no percurso da vossa formação?
VS:
Nós tínhamos todos muito pouca experiência de música de câmara até essa altura, pelo menos, e eu sinto que abriu-nos portas de casas de espectáculos importantes onde de outra maneira não teríamos possibilidade, e mais neste momento, de podermos fazer concertos, recitais e etc. Na nossa vida como instrumentistas é super importante fazer música de câmara, porque nós sabemos que a vida dos instrumentistas em Portugal não é fácil; são as orquestras, a música de câmara e depois só aqueles que são muito bons é que têm a oportunidade de fazer outras coisas e outros projectos, mas foi bastante importante, porque deu-nos muita experiência que eu acho que nós não tínhamos e que passámos a ter.

“[A vitória no CIMCA 2009] abriu-nos portas de casas de espectáculos importantes onde de outra maneira não teríamos possibilidade […] de podermos fazer concertos, recitais e etc.”

Ao fim de dois anos ainda sentem que essa vitória foi determinante na vossa carreira de músicos?
VS:
Sim, acho que sim, e de outra maneira não tínhamos evoluído tanto, penso eu, porque uma coisa que a música de câmara traz de muito bom para os instrumentistas é a capacidade de podermos interagir uns com os outros, de conhecermos as pessoas com quem estamos a trabalhar, não só pessoalmente, também musicalmente, e isso faz crescer qualquer um.
RR:
Basicamente, foi o conhecer mais pessoas, meios novos, tanto aqui em Alcobaça, quando participámos no Cistermúsica – Festival de Música de Alcobaça, e na organização do concurso, que foi uma organização muito boa. Expandiu o nível dos nossos conhecimentos, o que foi importante. Como instrumentista também foi importante porque a música de câmara, como a Vera já disse, é um caminho e um futuro em que investimos, e onde é importante investir. Foi essa a nossa escolha…
VS:
…e que nos dá muito prazer. Ao longo dos nossos concertos eu senti uma evolução: como é lógico nós ainda estamos numa idade de evoluir como instrumentistas e cada concerto que passava sentíamo-nos melhor do que o anterior, sentíamos que o impacto nas pessoas era cada vez melhor e maior. Conseguimos tocar em Lisboa, no Porto, em Algés, tivemos contacto com variadas plateias, variadas faixas etárias, variados estatutos dentro do mundo da música; havia pessoas que nos ouviam que estavam relacionadas com a música e havia pessoas que não faziam a mínima ideia quem erámos, da nossa história e sinto que o impacto foi bastante positivo, e isso deve-se ao concurso.
RR:
E fomos sempre bem recebidos em todo o lado.

Para além do prémio monetário, uma das oportunidades do galardão foi precisamente a possibilidade, já referida por vós, de tocarem no Cistermúsica, na Casa da Música no Porto e no Centro Cultural de Belém (CCB): como é que decorreram esses concertos e até que ponto foram importantes no vosso caso?
VS:
Eu gostava de falar precisamente do Cistermúsica que foi o primeiro concerto, na Igreja Paroquial de Santo André na Cela, perto de Alcobaça, onde tive a oportunidade de ter na plateia muitos amigos, muita família. Senti-me muito bem e muito realizada por conseguir fazer um recital com duas pessoas muito chegadas a mim, o Rui [Ramos] e o Bernardo [Pinhal],o que me permitiu mostrar o trabalho que eu tinha andado a desenvolver na escola até esse momento e a minha própria evolução em termos musicais. No CCB acho que foi uma experiência fantástica porque a sala estava lotadíssima, não cabia nem mais uma pessoa, isto durante os Dias da Música, altura em que há sempre muita gente a circular no CCB, acho que foi uma experiência espantosa.
RR:
E com públicos completamente diferentes, em cada sala recebiam-nos de forma diferente, especialmente na Cela que pelo facto da Vera ser praticamente da terra levou a que fóssemos recebidos muito calorosamente. Penso que foi o concerto que mais emoção nos transmitiu.
VS:
Na Casa da Música foi um bocadinho diferente, foi mais tarde e só em Novembro passado, já tínhamos outro reportório e já estávamos diferentes, estreámos uma peça que um compositor amigo nosso escreveu e dedicou a nós, o Daniel Moreira. As expectativas eram outras, o público era outro, foi completamente diferente. Mas para além destes concertos que conseguimos fazer a partir do concurso, fomos convidados também a fazer um concerto no Palácio dos Anjos em Algés no ano passado, onde também fomos muito bem recebidos, um concerto que correu muito bem. Todos estes três concertos, como o Rui estava a dizer, foram concertos que nos marcaram de maneiras diferentes, com públicos diferentes, expectativas diferentes, mas todos muito enriquecedores.

“Uma coisa que a música de câmara traz de muito bom para os instrumentistas é a capacidade de podermos interagir uns com os outros, de conhecermos as pessoas com quem estamos a trabalhar, não só pessoalmente, também musicalmente, e isso faz crescer qualquer um”

Sentem a necessidade de mais concursos deste tipo em Portugal?
VS:
Sim, eu acho que é muito importante e até à data não conheço nenhum assim, penso que haverá um na Póvoa do Varzim, mas com o prestígio e a capacidade de trazer músicos internacionais não creio que haja em Portugal. E como eu comecei por dizer ao início, a vida de um instrumentista em Portugal é muito complicada; ou se toca em orquestras ou se dá aulas, o que também é enriquecedor, não para todos, mas para bastantes músicos, mas a música de câmara continua a estar muito presente na nossa vida e é uma maneira de estimular as pessoas a dedicarem-se mais à música de câmara e a tirarem mais partido dela, é um mundo fantástico.
RR:
E é uma das poucas possibilidades de uma pessoa continuar ligada a um instrumento visto que os concursos e as orquestras não são para toda a gente. Uma maneira de continuar ligado a um instrumento é fazendo música de câmara e é importante investir nisso através de concursos que com esta relevância não há muitos em Portugal.

E neste momento que balanço fazem do vosso percurso?
VS:
Como eu já falei, termos conseguido ter uma peça dedicada a nós, para nós é um feito enorme e ainda por cima de um compositor que o ano passado foi compositor residente da Casa da Música, o que é um estatuto mesmo difícil de atingir e bastante importante. Para nós foi uma honra, também porque se trata de uma pessoa chegada, pessoalmente é nosso amigo, e foi um momento importante para nós. Como grupo, o nosso objectivo é continuar a trabalhar, continuar a procurar fazer concursos, procurar fazer concertos, procurar expandir o repertório para a nossa formação, porque é uma formação não muito usual: clarinete, flauta e piano, não é de facto uma composição de um quarteto de cordas ou de um quinteto de sopros que tenha repertório de muitos compositores e acho que é importante enriquecer esse repertório porque é uma formação com bastantes possibilidades e sonoridades. Nós pelo menos gostamos.
RR:
É nossa intenção ajudar a expandir um bocado esse repertório que é muito limitado e que para além da música francesa do Séc. XX pouco mais há fazer do que aquilo que já trabalhamos.

“Nós ainda estamos numa idade de evoluir como instrumentistas e cada concerto que passava sentíamo-nos melhor do que o anterior, sentíamos que o impacto nas pessoas era cada vez melhor e maior”

E actualmente, que retrato traçam do panorama da música de câmara no país?
VS:
Eu acho que não há propriamente muitos grupos com muito sucesso em Portugal, até porque eu sinto que da parte do público ainda não é muito fácil aceitar e ir ver um concerto de propósito por causa “daquele” grupo de música de câmara. Ou é o caso, por exemplo, do Quarteto de Cordas de Matosinhos ou qualquer outro grupo que tenha já de facto uma história e um nome, mas se não forem esses poucos grupos é muito difícil uma pessoa predispor-se a ir ver um concerto de música de câmara. E isso, de facto, acho que ainda é uma falha da cultura em Portugal, porque uma coisa é irmos ver uma orquestra, que é uma coisa imponente e que toda a gente gosta de ir ver, mas a música de câmara ainda não está enraizada na cultura em Portugal e acho que é uma pena.
RR:
Havendo, apesar de tudo, grupos de qualidade em Portugal.

Como trio, de que modo as vossas relações se estabelecem artisticamente dentro do grupo? Como é que decidem que peças tocar? Ou como é que conseguem conciliar os vossos horários em prol da formação?
RR:
Relativamente ao repertório não é muito difícil escolher o que tocar devido à escassez. Portanto, pouco mais há do que nós realmente temos no nosso repertório. Em relação à nossa agenda, é um bocado complicado porque somos de três cantos do país; eu sou de Mirandela, a Vera de Alcobaça e o Bernardo de Matosinhos, tínhamos um ponto em comum que era a Escola de Música do Porto, mas que agora, terminados os cursos, não é tão fácil conciliar devido aos empregos.
VS:
Mas tentamos e fazemos por isso. Em relação ao repertório, começámos por trabalhar coisas que nos foram sugeridas por uma professora, a nossa professora de música de câmara, Raquel Lima, por isso começar foi fácil, já que a professora tem muita experiência e conhece muito repertório; foi ela que nos indicou este tipo de repertório. Agora, o repertório que ainda resta e que nós ainda não trabalhámos, normalmente juntamo-nos, combinamos uma data para ler repertório, assim meio na brincadeira para ver se vale a pena trabalhar ou não, e se é propriamente da nossa escolha. Há uma democracia entre os três e não há ninguém que se imponha nesse aspecto, tentamos sempre trabalhar coisas que nos dão prazer e que achamos que nos vão trazer bons momentos musicais.

“Como grupo, o nosso objectivo é continuar a trabalhar, continuar a procurar fazer concursos, procurar fazer concertos, procurar expandir o repertório para a nossa formação”

Como foi referido, para além do grupo, cada um de vós tem outras actividades e projectos: podem contar-nos algo sobre isso?
VS
: Estamos os dois a dar aulas e o Bernardo também, neste momento eu estou a tirar um Mestrado, o Bernardo a acabar a licenciatura e para já, penso que falo pelos três, a nossa vida basicamente resume-se a estudar, dar aulas e ensaiarmos como trio. Digamos que neste momento não temos muito mais tempo para outros projectos. Tanto eu como o Bernardo ainda continuamos a estudar, o que de facto ocupa-nos bastante tempo. O Rui está parado neste momento, mas tem expectativas de continuar a estudar, por isso acho que nos próximos tempos, pelo menos nos dois próximos anos, talvez, não vamos poder ter muito mais tempo para outros projectos, mas o Trio Impressões tem expectativas de continuar a fazer música.
RR:
E o mais difícil já foi feito, portanto, era um crime agora desistirmos do trio.

Mas em termos concretos têm alguns planos para o futuro?
RR:
Em termos concretos, ainda não temos planos.
VS:
Temos na ideia participar em concursos em Espanha e Itália, já estivemos a falar nisso e estamos a recolher material para continuar a trabalhar, basicamente é isso.

“A música de câmara ainda não está enraizada na cultura em Portugal e acho que é uma pena. Havendo, apesar de tudo, grupos de qualidade em Portugal.”

Para terminar, que tipo de conselhos têm para os futuros participantes do CIMCA?
VS:
Acima de tudo que se divirtam tanto como nós. Porque tanto nas provas como nos concertos, fosse o Concerto dos Laureados ou no Cistermúsica, CCB e Casa da Música, acho que acima de tudo nos divertimos imenso a tocar juntos e sentimos mesmo o que estávamos a fazer e acho que isso é o mais importante. Sentir o que estão a fazer, não estarem a tocar só por estarem a tocar, sentirem que estão a fazer alguma coisa de valor e transmitir a energia do grupo para o público, para o júri e para quem estiver a ouvir.
RR:
E que a pessoa absorva tudo que houver para absorver no concurso onde há a possibilidade de ouvir grupos maravilhosos que tocam muito bem. Foi o que nós fizemos e aprende-se imenso neste concurso a ouvir outros grupos.

Trio Impressões, jovens músicos de câmara
O Trio Impressões são um projecto surgido do Verão do ano de 2008 quando Bernardo Pinhal, Rui Ramos e Vera Santos, alunos da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto (ESMAE), participaram no Estágio Internacional de Orquestra orientado pelo maestro Jean Sébastian Béreau. Rapidamente perceberam que partilhavam interesses comuns e, estudando na mesma escola, tinham a oportunidade de desenvolver um projecto interessante como complemento da sua formação musical. Assim, sob a orientação da professora Raquel Lima, associaram esta ideia à disciplina de Música de Câmara, daí surgindo o Trio Impressões. A participação no I Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” foi desde cedo um objectivo do grupo e uma meta a atingir. O facto de terem alcançado o primeiro lugar da categoria A tornou-se desde então um grande incentivo para o grupo, reforçando a sua grande vontade de continuar a trabalhar mesmo fora do plano curricular, e dando a conhecer o repertório existente para esta formação (e até mesmo alargando-o) salientando toda a sua beleza e qualidade.

Foto gentilmente cedida pelo jornal on-line Tinta Fresca